domingo, 27 de janeiro de 2013

Opinião sobre o livro de FLÁVIO MORGADO


SOBRE: UM CADERNO DE CAPA VERDE

Tenho uma forma muito própria de ler poesia que consiste em fazer uma primeira leitura rápida, quase de fôlego, e deixar que o cérebro apreenda alguns pormenores que, numa segunda leitura, me ajudarão a decifrar as mensagens dos poetas.

Após a primeira leitura de UM CADERNO DE CAPA VERDE, surgiu-me à memória uma frase que me foi dita, há muito tempo atrás, por um professor de antropologia: "para se entender uma cultura que nos é estranha, temos de nos abstrair de tudo aquilo que aprendemos durante a nossa aculturação."

Assim, vazio de ideias, conceitos e, até mesmo, preconceitos, dediquei a minha atenção à poesia deste livro e, verdade seja dita, o conselho do professor faz todo o sentido e resulta.

Seguindo este método, encontro logo no primeiro poema uma alusão a algo que, não sendo tão cristalino na primeira leitura, nada mais é que a constatação de uma verdade universal; cada leitor tem o seu próprio modo de ler e interpretar as palavras que o poeta escreve, não sendo certo que algum dos leitores o faça em sintonia com as verdadeiras intenções do poeta. Como autor, sei e subscrevo por inteiro este conceito.

Sem pretender fazer uma análise, poema por poema, o que se revelaria monótono e fora de propósito, mais não seja porque não sou, nem pretendo ser, crítico literário, gostaria de destacar também o segundo poema pela importância que terá no desenvolvimento de todo o corpo poético deste livro. Neste texto, o autor expõe-se perante o leitor como sendo um poeta-filósofo (aquele que sempre tem uma pergunta para cada resposta que encontra ou descobre), e simultâneamente um poeta-objecto (aquele que é instrumento da escrita e/ou escravo da palavra).

A pergunta que faço após a leitura dos dois primeiros poemas é a seguinte: É possível a convivência entre os dois seres poetas (poeta-filósofo, poeta-objecto) sem que a mensagem sofra mais influência de um em prejuízo do outro? No segundo poema esta simbiose parece funcionar e cada um dos seres poéticos pode ser identificado por uma palavra-chave.

Poeta-filósofo = branca/o

Poeta-objecto = palavra 

Assim temos o poeta-filósofo que anuncia o seu propósito «a minha vontade/ é branca antes da palavra escrita» e logo descobre a presença do poeta-objecto «(experiência de espanto)»

Embora o poeta-filósofo possa ser mais facilmente identificável existe uma pista importante para se reconhecer onde e quando o poeta-objecto aparece nos textos: os versos deslocados. Como que impelido pela força e desejos supremos das palavras, o poeta é "obrigado" a colocar as palavras onde elas querem ser colocadas. Afinal, em frente ao poeta está uma folha branca e as palavras escolhem o espaço que querem ocupar.

Avançando na leitura do livro, deparamos com as questões do poeta-filósofo derivadas da relação entre palavra e silêncio (não palavra) o que nos abre novas pistas para o que nos espera mais adiante, uma vez que a palavra é unidade imutável e imprescíndivel do livro e o silêncio (não palavra) nos é transmitido fazendo alusão a outra formas de arte para além da escrita; música, pintura, escultura e desporto.

Outro dos aspectos interessantes das reflexões do poeta-filósofo reside na utilização dos opostos. Tal como opõe palavra/silêncio(não palavra) também o faz com: vida/morte, sonho/entresonho, realidade/irrealidade, homem/natureza, entre outros.

No fundo, e numa análise geral e abrangente a todo o corpo poético deste livro, concluo que a existência simultânea entre o poeta-filósofo e o poeta-objecto não só é possível como é utilizada com mestria sendo que a junção dos dois revela-nos um terceiro ser poético: o poeta-artista (aquele que fazendo uso do conhecimento dos dois outros transforma a escrita numa arte maior).

Resumidamente, UM CADERNO DE CAPA VERDE é um livro em que o autor faz uso dos seus alter-egos (poeta-filósofo, poeta-objecto e poeta-artista) para através da escrita fazer arte tendo como denominador comum a palavra e todas as possibilidades que esta proporciona.

EMANUEL LOMELINO

CAMARATE, 17 Janeiro 2013

 

 

 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário

Toca a falar disso