segunda-feira, 24 de abril de 2017

EU FALO DE... CULPAS E DESCULPAS


Ser autor não se resume ao acto criativo. Existem responsabilidades às quais não se pode virar costas e que aumentam na exacta medida do crescimento do autor e do impacto da sua obra. Quanto mais se cria maiores são os cuidados a ter e um autor não deve, nem pode, furtar-se a assumir as responsabilidades que lhe cabem.

Esta deveria ser uma regra seguida por todos os autores/criadores, no entanto, a distância entre os deveres de um autor e o que se pratica na realidade do dia-a-dia é abismal. A generalidade deixa-se enlear pelos próprios limites e recusa-se a fazer mea culpa, por erros cometidos, preferindo sacudir as responsabilidades para ombros alheios.

Poderia dar inúmeros exemplos mas restringir-me-ei a apenas um, pela frequência com que testemunho este género de situações e comportamentos.

Ao longo do tempo tenho sido, de acordo com a minha consciência (certo ou errado, outros o dirão), uma voz crítica sobre o modo como muitos editores e/ou aspirantes a editores tratam o objecto livro; seja na concepção, elaboração, promoção ou divulgação. Para quem ama os livros, e os consome como quem respira, é triste ver algumas edições amputadas de esmero e brio.

No entanto, nem tudo se deve ao desleixo - para não dizer indiferença - dos editores ou aspirantes a... Muitas vezes os culpados das falhas, que os leitores observam, são os autores que, de forma inconsciente ou talvez não, sacodem a poeira dos ombros e apontam o dedo a quem é mais fácil apontar. E embora, junto de leigos e outros desatentos, os argumentos possam parecer não deixar dúvidas sobre o foco gerador das falhas, a verdade é que muitas vezes a responsabilidade do erro, quanto muito, deveria ser repartida entre editores e autores.

Como disse anteriormente, vou limitar-me a um simples exemplo de erro crasso presente nos livros que se editam e que, com muita pena minha e de quem gosta de ler, é cada vez mais frequente: erros de grafia e ortografia.

Quem é que, ao alertar um autor para a existência de um erro no seu livro, não recebeu como resposta algo do género: "Se a editora fizesse uma revisão isso não acontecia."

É evidente que à editora cabe a responsabilidade de limar as arestas daquilo que é produzido pelo autor, no entanto, para o erro lá estar alguém teve de o cometer, e esse só pode ser o autor. No entanto, e porque nesta questão existem outros factores a ter em consideração, hoje em dia muitas editoras, na hora de fazer o seu "orçamento", colocam duas opções ao dispor dos autores: um valor com revisão e outro sem revisão. Não é preciso ser um génio para compreender que, a generalidade dos autores, opta pela versão menos dispendiosa com a desculpa de ser um desperdício gastar mais para rever o que, à partida e pelas diversas revisões feitas por si, não tem erros. Depois, aquando do confronto com a realidade, é que se fala em colocar trancas no que já está arrombado.

Concordo que a editora deve fazer o trabalho que lhe compete mas, a partir do momento em que são colocadas duas possibilidades ao autor e aceitando este uma delas, o autor não pode isentar-se de responsabilidades. E argumentar que este tipo de erros prejudica a imagem da editora é uma falsa questão, porquanto não são meia dúzia de exemplares de um livro - quem diz meia dúzia diz duas dezenas - que vão manchar a imagem seja de quem for, tendo em conta que esta situação normalmente ocorre com autores que simplesmente editam para amigos e familiares e pouco mais e as editoras sabem reconhecer as particularidades de cada caso. No dia em que se voltar a editar para leitores em vez de o fazer para público próximo do autor, quem sabe, aí as coisas mudem e eu não ofereça tanta resistência a este último argumento. Mas isso são contas de outro rosário... voltemos ao essencial.

Peguemos no assunto por outro prisma. Ignoremos, por instantes, que as editoras se furtam a uma tarefa que lhes compete e centremo-nos naquilo que os autores mandam para as editoras. E aqui chegados eu sou obrigado a perguntar: Que culpa têm as editoras que um autor (infelizmente não é só um) não saiba distinguir "pudesse" de "pode-se"; "dissesse" de "disse-se"; "à" de "há"; ou que escreva "caiem"(não do verbo «caiar»), "traiem", "saiem", ou ainda, que não saiba colocar correctamente uma vírgula?

Como disse no início desta dissertação, os autores têm de assumir os seus erros e ter uma atitude de maior responsabilidade perante aqueles que os lêem, mesmo que sejam só familiares e amigos e pouco mais. Ser autor não é só criar. Ser autor é assumir a responsabilidade de ser parte integrante de uma vertente importante no desenvolvimento dos povos: a cultura.

Há que assumir as culpas e deixarem-se de desculpas!

MANU DIXIT

4 comentários:

  1. Muito a propósito. Participei recentemente numa iniciativa em que entreguei o texto revisto e constatei que existia uma gralha após a publicação. Pensei, de imediato, que a gralha só podia ser minha. Regressei a casa e verifiquei, com surpresa, que o original estava correcto e que a gralha tinha resultado de uma revisão por parte da editora.
    Muito grata pela partilha deste excelente texto.

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    1. Grato pela visita comentada e partilha de experiência...

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  2. Autor e editora precisam caminhar em harmonia . A falha de um, repercute diretamente no trabalho do outro.O autor tem que ser consciente da responsabilidade da escrita . Não só em enviar uma mensagem, mas em ser o agente direto na preservação da cultura, e da história de uma civilização, através da linguagem, preocupando- se com o uso correto e seus sinais.
    Corretores automáticos confundem, nos meios digitais, mas a revisão é fundamental. Cabe o autor ficar atento com a sua imagem. Cabe a editora ter imensa atenção com o seu público.Responsabilidade igual para ambos.Um livro deve ser visto como um filho, onde, em sua concepção , desejamos sempre que seja perfeito.

    Pertinentes seus argumentos,Manu. Excelente colocação e muito importante esse alerta, para o autor, a editora e o leitor.

    Um abraço
    Adriana Mayrinck

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