segunda-feira, 21 de agosto de 2017

FALA ÁFRICA... ANTÓNIO MANÉ


EU FALO DE… A PALAVRA NA POESIA DE EDSON INCOPTÉ

A palavra é um silencio arrebatado da nossa (des)conhecida existência – como disse o Antônio Ramos Rosa -; é um silêncio vivo, e às vezes morta pela nossa própria resignação, e ou, o nosso abismo existencial; um silêncio que só no ser poeta não cala e muito menos morre. Se morre, morre-se sossegado porque acredita na ressurreição. Ela (a palavra) ressuscita na esperança e no amor – na esperança d’um sonho ainda não vivido e no amor à pátria sob jogada e martirizada –; i.e. esta a imagem da palavra na poesia do Edson Incopté. O Incopté, nas suas lavras alenta a palavra que morre no íntimo do ser guineense, ressuscita-a e dá-lhe a nova forma: o sentido da esperança. Para o poeta, a poesia não é e nunca será um simples conjugar de palavras. Ela é mais do que isto porque não é uma figura (expressa ou escrita) inerte; ela possui uma vida própria – apesar de ser característica individual de cada um - isto é, motivada pela forma siu generis de ver e encarrar a natureza de cada poeta. A poesia é o meio civilizado de propor e fazer mudanças porque é visionária, dinâmica e histórica. Como ele próprio disse: «Entre a poesia e a esperança, percorre um longo e sinuoso rio que vai emprenhando com a sua plenitude à margem de ambos os sentires. Um rio que comunga, entre tantas coisas, o sagrado e o livre». É neste rio que vamos comungando o sangrado e com um punhado de tintas derrubando o profano.

Ao viajar pelas páginas dos livros do Edson, cedo me apercebi que ele - como quase todos da minha geração - viu e sentiu na pele todas as perturbações e recuos que a nossa sociedade vem vivenciando ao longo de quatro décadas da sua existência, e se viu em silêncio quase ensurdecedor questionar, onde está o Homem Novo? Na ausência (de também quase surda) duma resposta apenas escuta o gritar do seu interior, um grito poético embalsamado; um grito que rompe todas as atmosferas duma sociedade resignada e convida para um novo sentir e viver. É nesse convite que a palavra traz a vida na poesia Incopteana. Uma poética cheia de simbolismo patriótico e de visão futurista duma sociedade que ainda teima em viver no escuro do seu próprio precipício, mas que ainda acredita ser fidalgo. A sua poesia espelha o seu apego aos valores identitários da nação, os valores que fazem da nossa terra um paraíso autêntico; um mosaico humano e cultural paradisíaca do qual todo o ser guineense genuíno contenta e orgulha.

O realismo do Edson é convidativo, pois nos transporta para uma reflexão que nos leva a compreender, de forma sucinta, o nosso modus operandi e vivendi para depois convidar-nos a prestar o juramento para com a Guiné-Bissau. São essas e mais algumas características – o realismo poético Incopteano - que me fazem acreditar que, «ainda que lesto vai numa viagem distante», muito distante do status quo e dar razão ao nosso Emílio Tavares Lima ao afirmar que o poeta da Insana Rebeldia e do Setembro Adormecido nunca é indiferente às conjunturas, avanços e recuos da sua sociedade, porém sempre esteve/está presente e na cintura da pena escreve os seus encantos e chora os seus desencantos, que não são poucas.

Tenho para mim que o Edson «atravessou o deserto» e atingiu os patamares distantes do abandono da intelectualidade e da espiritualidade do ser da sua raça. Ele «não se detém no frio e nem na solidão, foi-se criar um espaço que lhe abre à plenitude», à liberdade e à vida. Com a sua poesia cria uma verdadeira força da esperança e tece no pano de pente poético a certeza num amanhã diferente. O Edson Incopté está longe de ser um poeta vago ou gago, não fala e nem escreve as palavras pela metade; assume-a com coragem e bagagem em nome da pátria.

Biografia


António Mané, nome que o guineense Ussumane Grifom Camará escolheu usar, artisticamente, em homenagem ao pai. Nasceu em 22 de Agosto de 1987 na cidade de Bissau. Membro fundador da SAG – Sociedade de Autores Guineense e Vice-Presidente da Assembleia geral da mesma. É Vice-Presidente da Seiva da Nova Geração (Clube Guineense d’ Arte). Participou na Antologia do III e IV Encontro de Poetas da Língua Portuguesa.

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