sexta-feira, 20 de outubro de 2017

FALA ÁFRICA... MACVILDO PEDRO BONDE - IX

O EXERCÍCIO DA ESCRITA: À PROCURA DA PALAVRA CERTA

Falar sobre a escrita é sempre um desafio. Embora, o meu ofício quotidiano passe por escrever os meus sonhos, angústias, desejos, reflexões do meu itinerário enquanto ser deste universo. 

Quero desde já agradecer ao Kupaluxa que por meio do Quive endereçou este convite. Não é todos os dias que conversamos sobre a escrita e seus dilemas. Quando há algumas semanas abordoaram-me sobre esta mesa “redonda” não hesitei, mas cogitei com os meus botões em relação a esta hercúlea tarefa de pensar a literatura. 

O adiamento em virtude do Adelino Timóteo estar na capital e ser um meio de conhecer este poeta das terras do Chiveve, serviu de escape para revigorar a minha ideia da palavra lida e escrita, embora, não tivesse recebido o tema para o nosso debate aberto. Mas, passado dias, vi o cartaz com muitos “likes” a ser partilhado por confrades da mesma trincheira e amigos.

Devo sempre vincar que Moçambique é um país de grandes referências na literatura seja em prosa ou poesia. 

Para iniciar estas minhas breves palavras vou citar um autor que tenho muito gosto em ter conhecido a sua escrita. Não teve a sorte de ganhar o Nobel, mas continua a ser esse farol que alguns críticos literários acham que houve injustiça. 

Jorge Luís Borges, escritor argentino com muitos cruzamentos na sua essência de ser. Como diz o autor: “Sempre imaginei que o paraíso seria algum tipo de biblioteca”. Esta frase remete-nos a leitura, alimentar o nosso desejo de conhecer o mundo em que vivemos. Não há escrita sem leitura. O autor do livro “Fricções” é um exemplo dessa forma de pensar. A partir de uma enciclopédia o autor transporta-nos a um mundo imaginário com a qual constrói o seu texto. 

O autor invoca a biblioteca como paraíso. Logo, a leitura aparece como um elemento fundamental para a palavra certa. Mas, não é sobre fricções que estou aqui. “Para escrever é preciso ler e saber onde se encontra a essência dessa forma de expressão”.

A minha palavra certa passa por muitas influências (nacionais e estrangeiras). Daí que existem autores que não posso deixar de mencionar na minha viagem ao mundo a escrita: Rimbaud, Baudelaire, Pessoa, Knopfli, Alba, Kavafis, entre outros para falar de poesia, meu campo de eleição. 

Em função de cada projecto em manga, sigo a dinâmica de certos autores. O último projecto acabado teve como marcos: Francis Ponge e António Gamoneda. Voltarei a Ponge nos próximos parágrafos.

Para responder ao tema “O exercício de escrita: à procura da palavra certa!” Tenho de regressar a Rainer Maria Rilke  e a sua resposta a um jovem poeta.  

Diz Rilke na resposta ao jovem: “Volte-se para si mesmo. Investigue o motivo que o impele a escrever; comprove se ele estende as raízes até o ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se o senhor morreria caso fosse proibido de escrever. Sobretudo isto: pergunte a si mesmo na hora mais silenciosa de sua madrugada: preciso escrever? Desenterre de si mesmo uma resposta profunda. E, se ela for afirmativa, se o senhor for capaz de enfrentar essa pergunta grave com um forte e simples "Preciso", então construa sua vida de acordo com tal necessidade; sua vida tem de se tornar, até na hora mais indiferente e irrelevante, um sinal e um testemunho desse impulso” (Rilke, 2009:9) .

Ou seja, o que nós trazemos a este universo literário? Será que deixar de escrever o mundo deixará de ser esta Odisseia? Para Moacyr Scliar, o acto de escrever é uma continuação do acto de ler. É preciso captar com os olhos as imagens das letras, guardá-las no reservatório que temos em nossa mente e utilizá-las para compor depois as nossas próprias palavras.

Assim, percebo que não podemos ter uma escrita sem uma leitura continuada, sem aprimorar o nosso desejo ardente da palavra, a métrica, a metáfora e outros elementos que nos podem conduzir ao óptimo de um texto em prosa ou poesia.    Afirmei antes que voltaria a Ponge  porque a estória do seu livro Savon é interessante. Eu fiquei cerca de 4 anos para tirar os ensaios poéticos e não posso deixar de ficar de alguma forma satisfeito porque permitiu-me ter alguma maturidade estética.

Ponge em carta a Jean Paulhan – amigo e editor Ponge, quando começou a escrever Le Savon (Sabão), partilhou sua angústia e dificuldade em terminá-lo. Chegou a pensar em abandoná-lo, mais de uma vez, e persistiu escrevendo e revendo o texto durante vinte e cinco anos (de 1942 a 1967, data de sua publicação). É facto, que alguns poetas insistem em alguns escritos sem saber bem o porquê. O que é da ordem da pulsão faz seu espaço no “que não cessa de não se inscrever”. Ou seja, no que pode ser nomeado como algo da ordem do impossível, que insiste.

Jacques Derrida disse que Ponge assumia, neste escrito, uma perda não declarada até então. Pois, o que ele falava havia sido “esquecido” por muitos de seus contemporâneos. Hoje podemos remexer nestas letras, e pensá-las como um desejo de testemunho. E, ainda podemos perceber que o poeta escreveu um texto para além do poético. Algo que, em meio ao impossível de se dizer, fizesse ruídos em orelhas torturantes .

A palavra em acto na intenção de produzir uma luz, que possa fazer buraco na memória. Assim estamos na trilha do real, e do faltoso; o que não pode ser dito todo.

Como podemos perceber, para o autor o texto não estava ao nível do que pretendia tendo levado cerca de 25 anos para atingir o seu desejo.

“(…), quando pensamos, quando escrevemos, somos habitados pela presença. Não só a presença física dos que nos acompanham, mas a imponderável presença do invisível: das vozes que ouvimos, dos poetas e escritores que lemos, de tudo aquilo que nos habita e se demora em nós, mesmo que não nos apercebamos. Estar a sós diante da página em branco nunca é uma verdadeira solidão, para combater um certo lugar-comum que persiste. É sobretudo um acto de escuta e de abandono, em que procuramos esse rio interior ou a voz que nos persegue, aquela que procura a sua fenda, a fissura, por onde entrar e fazer-se corpo, linguagem, um modo de se dizer e de chegar à fala, atravessando os tempos”, Maria João Cantinho (2017) .

É necessário ter prazer ao escrever, deixar o sentimento, o gosto pela palavra, pelos sons, ritmo. Roland Barthes (1996:9) fala do prazer do texto. “Um texto lido com prazer significa que foi escrito com prazer. Mas, o prazer de escrever não assegura o prazer do leitor no acto de ler, pois a recepção do texto dependerá de cada um. É preciso haver, haver então um jogo de entre escritor e leitor, um espaço de abertura fornecido pelo narrador que permita a entrada do leitor no texto”.

No acto da escrita exige inspiração e transpiração. Ao escrever, busca-se eventualmente um “algo a mais”, aquilo que possa transcender o próprio escritor, aquela busca ancestral de deixar para a futura humanidade outra lembrança que não sejam filhos ou árvores.


Para concluir, a minha experiência tem demonstrado que o texto fala quando já está acabado. Há uma certeza em nós, um frio no estômago, umas lágrimas que passeiam de satisfação pela íris.

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