sábado, 21 de outubro de 2017

FALA AÍ BRASIL... PATRÍCIA PORTO - XV

Para alfabetizar letrando

Ser alfabetizado não é ser livre; é estar presente e ativo na luta pela reivindicação da própria voz, da própria história e do próprio futuro.
Henry A. Giroux

O livro é passaporte, é bilhete de partida.
Bartolomeu Campos Queirós

Durante muitas décadas, e já na República do Brasil, a alfabetização, principalmente para as crianças e para os adultos das classes populares foi vista, pensada  e desenvolvida através de métodos tradicionais e de práticas escolares que estavam centradas numa concepção que limitava a alfabetização à idéia de uma determinada aquisição do código linguístico que passava unicamente pelo uso da cartilha e da palavração sem sentido: “o dente do elefante” , “Eva viu a uva”, “o coelho come repolho”... Quem foi alfabetizado com a cartilha “Caminho Suave” talvez não lembre, mas num dos exercícios - para escrever sobre o “n” pontilhado, podia ser lida a seguinte frase ao lado da letra: “A fumaça da chaminé do navio que o vento juntou.”   Quando lançada em 1948, a cartilha, que adotava o método silábico (das “famílias”), foi uma grande novidade, pois trazia imagens associadas à sistematização das famílias silábicas.  Não se pensava ainda na aprendizagem de frases e textos que se aproximassem das realidades culturais das crianças ou dos adultos. Só tempos depois, nos anos sessenta, com Paulo Freire e a “educação libertadora”, é que  em termos didáticos, irá surgir no panorama nacional, um novo paradigma  metodológico,  progressista e transformador, do qual  vão emergir perguntas que não vão mais querer calar: Alfabetizar quem¿ Alfabetizar para quê? Alfabetizar por quê?

E nessa nossa história da alfabetização, que é passado e ainda presente, foram muitos os governos que negaram o importante papel político e cultural da alfabetização no contexto da educação popular. Jogando para debaixo dos tapetes e mesas dos gabinetes de determinados grupos poderosos a necessária e urgente responsabilidade social de alfabetizar a população brasileira, adotou-se como prática perversa e ideológica,  o mascaramento que usurpava de um expressivo contingente de analfabetos brasileiros, o legítimo e democrático acesso às práticas sociais de leitura e escrita. E isso se deu através de programas como o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), criado pela Lei 5.379 em 1967, durante a ditadura  militar.  E quem foi criança nas décadas de 60 e 70 deve ter ouvido piadas como: “ - Vou te mandar pro Mobral.”, “chiste” que bem representava a ineficiência do programa que tinha como principal objetivo a alfabetização funcional de jovens e adultos.

Já na década de 80 não poderíamos deixar de ressaltar o pioneirismo e a importante contribuição das pesquisas de Emilia Ferreiro e Ana Teberoski sobre os processos de aquisição da linguagem escrita em crianças pré-escolares, um divisor de águas no campo da teoria e da prática na Alfabetização. A partir das teorias psicolinguísticas e através da perspectiva da epistemologia genética piagetiana, Ferreiro e Teberoski, trouxeram relevante estudo sobre o processo assimilativo das crianças, tanto nos aspectos funcionais quanto nos aspectos estruturais da linguagem escrita.  E esses estudos também trouxeram aos educadores o entendimento de que a alfabetização, para além de ser a apropriação de um código linguístico, envolvia um complexo processo de elaboração de hipóteses sobre a representação linguística.

Com a fundamental contribuição de Paulo Freire para alfabetização de adultos e com as novas pesquisas desenvolvidas por Ferreiro e Teberoski, longe dos reducionismos do método da silabação e palavração sem sentido, a alfabetização passa a ser compreendida como campo de complexidades, que não mais exclui do processo de ensino-aprendizagem da linguagem escrita a leitura e, sobretudo, a fala.  Pois para o aprendizado da escrita, é necessário propiciar uma descoberta básica muito bem descrita por Vygotsky (1989), a de que “se pode desenhar, além de coisas, também a fala. Foi essa descoberta, e somente ela, que levou a humanidade ao brilhante método da escrita por letras e frases”. Daí a grande necessidade do processo alfabetizador ser trabalhado com base na leitura e na fala, seja da criança ou do adulto. Daí também a necessidade de se alfabetizar letrando.


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