quinta-feira, 30 de novembro de 2017

AOS OLHOS DE PAULA OZ... MARIETE LISBOA GUERRA (II)

Paz no coração da Poesia, sua confidente.

Na pele dos seus poemas contemplamos o corpo do poema. A chave? A essência da Mulher – mãe, filha, amante da vida, amiga, espirito, criança inconsciente, alma apaixonada, astro de paixão, a terra e flor Jasmin, o mar e as conchas sem fim, a natureza e a beleza – na sua inquietude a calmaria do e perante o Universo. A asa do sonho em mel, o céu da realidade são rubras, majestosas, no reinado da sua poesia, as estrelas a doce e suave sedução que adornam o papel.

“O amor sem data e nem tempo”. Como fala e sente bem a autora, o abraço prolongado são os gestos anunciados para um grande amor. É a felicidade na brisa do vento. Gosto de a ouvir mas principalmente de a ler.

“Olhar-te-ei como se nunca e sempre
olhar-nos-emos como se fôssemos morrer”

A palavra silenciada é a metáfora adormecida onde vivem as emoções para viver ao encontro do rastro solar. É a viagem do mundo que beija a eternidade ao acordar.

Esquecida de tudo, a janela dos seus olhos é a consciência da sua alma. Por vezes a memória da mulher ou menina com tantas histórias. Para escrever poesia é preciso saber ouvir a poesia, é preciso ama-la. Mariete Lisboa Guerra ama, AMA tanto, que ela mesma é a mais pura inquietação de sentimentos numa ilha de palavras. A entrega é total.

“Metade da minha alma é consciência
se sou anjo ou diabo, minha aparência
como se um dom tardio fora na inquietação desta hora.”

A sua escrita é igualmente de uma riqueza literária enorme, em prosa ou em verso, a linguagem para além de sugestiva, é plena de vida, conotativa, metafórica, figurada, criativa, viajante! No cais nocturno do seu coração, navega na saudade, o amor numa canção, nas vivências do dia-a-dia e em prol da liberdade. Não posso porém deixar esquecido, as potencialidades da linguagem na poesia da autora, a sonoridade da linguagem, o ballet da poesia bastante peculiar, sendo diferente, emotiva e artística.

Mariete Lisboa Guerra tem o dom da expressão singular e com isso a capacidade de transmitir o enigma dos seus poemas, devemos porém ir sempre mais além, pois a sua voz é forte, é a voz que escreve nua, num grito à lua, a voz que chora ou dá um sorriso, é a voz que ama e dialoga, a autora não conversa com as rimas, a asa da letra nasce livremente. Uma chama interna e colorida, uma visão que embeleza o verso.

A autora oferece-nos a poesia numa beleza concreta, acidulada, como num espectáculo, basta apreciar e esperar o que poderá vir. Sentir e permitir que as emoções se libertem para voarem, prolongando os sentidos.

Mariete Lisboa Guerra possui a arte de dizer a palavra NOVA, cuida do seu jardim como a flor vive na sua pele.
Mariete Lisboa Guerra transpira, inspira e respira a POESIA.
Que esta sua caminhada seja um véu de estrelas, que as pétalas das rosas sejam perfume na estrada do sucesso, rumo ao mundo cultural.
Que o seu sorriso seja sempre o seu sorriso. A poesia sempre a sua POESIA.

- Sempre nasce uma grande escritora, de uma GRANDE mulher

“O meu amor é belo como um barco!”
Mário Quintana


Para a obra
Um dia houve poesia”


Mariete Lisboa Guerra



Paula OZ


quarta-feira, 29 de novembro de 2017

ADRIANA FALA DE... O SUSPIRO DE ODIN

O amor sonhado, idealizado, vivido ao extremo do sentimento. A perda, a insuportável ausência, a constatação do vazio. A fuga de si mesmo e de todas as contradições despertadas por esse amor. O desespero do esquecimento e a reconstrução. A desilusão. A percepção de que nada se é, sem a presença do objeto amado que o impulsiona para a vida, mas que se faz inexistente de forma e convivência. O limite entre o real e o imaginário, de um amor que ultrapassa o tempo e o incomensurável do desejo da alma e do corpo. Aquele que arrasta para a perdição, e tortura a alma, escurecendo os dias e a vida, e mesmo assim, preenche todos os vazios da solidão que se faz acompanhada por imagens e sonhos e pela busca do inalcançável. O bálsamo para os momentos afligidos, a esperança, a sobrevida, alimentada por lembranças. O abandono de si, a desistência, a tragédia interior, a morte.  Nunca o esquecimento. A segunda chance, o renascer, o conflito, a busca eterna. O deus ODIN que, como um alter ego, o conduz e acompanha na experimentação do que supostamente se faz inexplicável e, talvez, irreal. O diálogo, as cartas, a forma de escrita, com espaçamentos, com ritmo e espaços para pensar, sentir, questionar e continuar... O SUSPIRO DE ODIN, primeiro livro de João Dordio, arrasta o leitor nas primeiras linhas para um universo entre o místico e ao mesmo tempo o real, no confronto entre a subjetividade e o concreto de um romance misturado com a fantasia, a poesia e o eterno questionamento do ser e das tormentas causadas por uma paixão, talvez idealizada, talvez vivida, talvez inexistente. O leitor percorre com cumplicidade e distância, com emoção e surpresa, mas nunca com indiferença. O autor despe-se em uma forma muito particular de escrita, fugindo de regras e levando o leitor ao que realmente interessa: o mergulho no que há de mais íntimo no humano, o sentir.

Saibam mais do autor neste link

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terça-feira, 28 de novembro de 2017

FALA AÍ BRASIL... LÚCIO MUSTAFÁ (IV)

OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO HUMANOS

Das mídias sociais às relações interpessoais.

Todo canal de comunicação é passível de ser manobrado e se transformar num canal de alienação. Os veículos pelos quais ideias dos mais diversos gêneros são transmitidas são variados e se prestam para variados tipos de manipulações. Até na relação interpessoal uma pessoa pode exercer uma influência nefastas sobre outra. Com a queda do muro de Berlim, no mais, a intencionalidade do capitalismo em transformar a humanidade, em peso, em sua escrava psico-física se reativou e agora o computador está sendo uma ótima ajuda para ela naquela intenção. Vice-versa, cada indivíduo, grupo de amigos, mini organização pode se tornar na rede alguém que denuncie seus perigos e que proponha um uso realmente comunicativo e trazedor de maiores aproximações da verdade mesma.

mini-biografia: Lúcio Mustafá

Nascido em Barbacena (MG) em 20 de maio de 1961, passou a infância em Brasília e a juventude e vida adulta na Cidade do Recife. Viveu entre hippies, mendigos, favelados, numa fase na qual aderiu à teologia da libertação tendo participado do grupo de Don Helder Câmara. Viveu em Roma de 1994 aos albores do século XXI. Poeta, escritor de contos, de crônicas, artista plástico, filólogo pelo Institutum Altioris Latinitatis Romae e filósofo pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), Lúcio Mustafá, que foi um dos fundadores do Movimento dos Realistas Urbanos, é criador da filosofia Panamorista, que se propõe a corrigir um detalhe esquecido por todas as outras filosofias que vieram antes dele, que é o detalhe de mostrar a possibilidade de Amor Incondicional do Ser Humano consigo mesmo e com toda a natureza. As influências de Lúcio Mustafá são várias e vão desde da literatura regionalista nordestina, às teses do Círculo Linguístico de Praga, à literatura e arte italianas.


segunda-feira, 27 de novembro de 2017

ADRIANA APRESENTA... EMANUEL LOMELINO


A vida é a arte do encontro e não tenho palavras para descrever o quanto ela foi generosa ao cruzar caminhos por entre o oceano. A parceria Toca a Escrever e In-Finita, foi um daqueles raros encontros em que o universo conspirou a favor de pessoas com o mesmo ideal e filosofia de vida. A caminhada em paralelo, um em Portugal e outra no Brasil, somou, agregou, criou laços, fortaleceu e uniu mãos, pensamentos e projetos, que agora, caminham em apenas um lado do oceano, sem deixar de manter a proposta inicial na divulgação lusófona.

O terceiro autor, convidado pela In-Finita assessoria literária, no qual tenho imensa admiração, não só pela habilidade e conhecimento com a escrita em geral, grande conhecedor da literatura e mestre em diversos gêneros poéticos, além de profissional e exigente ao extremo, questionador, determinado e convicto como autor e suas diversas facetas profissionais, e claro, hábil no improviso e com um toque de humor inteligente e irônico como apresentador, além de um ser humano generoso e solícito.
Tenho aprendido e amadurecido tanto como autora, profissional e pessoa com esse convívio e tenho a imensa gratidão pelo apoio e incentivo, nos projetos e na vida:

Emanuel Lomelino, nasceu em Camarate, Lisboa, membro activo em diversos eventos literários, apresentador, prefaciador, coordenador. Mentor do projecto, multiplataformas, de divulgação de poesia lusófona, TOCA A ESCREVER/INFINITA. Para além de participações em diversas antologias e tertúlias poéticas, já prefaciou e apresentou mais de duas dezenas de obras de outros autores, tendo sido convidado para moderador de eventos e coordenador de colectâneas. Esteve duas vezes (2014 e 2015) na Feira do Livro e Festa Lusófona de Genebra (Suiça) a representar a poesia portuguesa

Tem 7 livros editados. Membro da Academia Virtual de Poetas de Língua Portuguesa – secção de Portugal, com assento na cadeira Mário de Sá-Carneiro.

Divulgando a página do autor: AMADOR DO VERSO


Contato ASSESSORIA LITERÁRIA : adriana.mayrinck@gmail.com


domingo, 26 de novembro de 2017

FALA ÁFRICA... MACVILDO PEDRO BONDE (XIII)

O EXERCÍCIO DA ESCRITA: À PROCURA DA PALAVRA CERTA

Falar sobre a escrita é sempre um desafio. Embora, o meu ofício quotidiano passe por escrever os meus sonhos, angústias, desejos, reflexões do meu itinerário enquanto ser deste universo.

Quero desde já agradecer ao Kupaluxa que por meio do Quive endereçou este convite. Não é todos os dias que conversamos sobre a escrita e seus dilemas. Quando há algumas semanas abordoaram-me sobre esta mesa “redonda” não hesitei, mas cogitei com os meus botões em relação a esta hercúlea tarefa de pensar a literatura.

O adiamento em virtude do Adelino Timóteo estar na capital e ser um meio de conhecer este poeta das terras do Chiveve, serviu de escape para revigorar a minha ideia da palavra lida e escrita, embora, não tivesse recebido o tema para o nosso debate aberto. Mas, passado dias, vi o cartaz com muitos “likes” a ser partilhado por confrades da mesma trincheira e amigos.

Devo sempre vincar que Moçambique é um país de grandes referências na literatura seja em prosa ou poesia.

Para iniciar estas minhas breves palavras vou citar um autor que tenho muito gosto em ter conhecido a sua escrita. Não teve a sorte de ganhar o Nobel, mas continua a ser esse farol que alguns críticos literários acham que houve injustiça.

Jorge Luís Borges, escritor argentino com muitos cruzamentos na sua essência de ser. Como diz o autor: “Sempre imaginei que o paraíso seria algum tipo de biblioteca”. Esta frase remete-nos a leitura, alimentar o nosso desejo de conhecer o mundo em que vivemos. Não há escrita sem leitura. O autor do livro “Fricções” é um exemplo dessa forma de pensar. A partir de uma enciclopédia o autor transporta-nos a um mundo imaginário com a qual constrói o seu texto.

O autor invoca a biblioteca como paraíso. Logo, a leitura aparece como um elemento fundamental para a palavra certa. Mas, não é sobre fricções que estou aqui. “Para escrever é preciso ler e saber onde se encontra a essência dessa forma de expressão”.

A minha palavra certa passa por muitas influências (nacionais e estrangeiras). Daí que existem autores que não posso deixar de mencionar na minha viagem ao mundo a escrita: Rimbaud, Baudelaire, Pessoa, Knopfli, Alba, Kavafis, entre outros para falar de poesia, meu campo de eleição.

Em função de cada projecto em manga, sigo a dinâmica de certos autores. O último projecto acabado teve como marcos: Francis Ponge e António Gamoneda. Voltarei a Ponge nos próximos parágrafos.

Para responder ao tema “O exercício de escrita: à procura da palavra certa!” Tenho de regressar a Rainer Maria Rilke e a sua resposta a um jovem poeta.

Diz Rilke na resposta ao jovem: “Volte-se para si mesmo. Investigue o motivo que o impele a escrever; comprove se ele estende as raízes até o ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se o senhor morreria caso fosse proibido de escrever. Sobretudo isto: pergunte a si mesmo na hora mais silenciosa de sua madrugada: preciso escrever? Desenterre de si mesmo uma resposta profunda. E, se ela for afirmativa, se o senhor for capaz de enfrentar essa pergunta grave com um forte e simples "Preciso", então construa sua vida de acordo com tal necessidade; sua vida tem de se tornar, até na hora mais indiferente e irrelevante, um sinal e um testemunho desse impulso” (Rilke, 2009:9) .

Ou seja, o que nós trazemos a este universo literário? Será que deixar de escrever o mundo deixará de ser esta Odisseia? Para Moacyr Scliar, o acto de escrever é uma continuação do acto de ler. É preciso captar com os olhos as imagens das letras, guardá-las no reservatório que temos em nossa mente e utilizá-las para compor depois as nossas próprias palavras.

Assim, percebo que não podemos ter uma escrita sem uma leitura continuada, sem aprimorar o nosso desejo ardente da palavra, a métrica, a metáfora e outros elementos que nos podem conduzir ao óptimo de um texto em prosa ou poesia. Afirmei antes que voltaria a Ponge porque a estória do seu livro Savon é interessante. Eu fiquei cerca de 4 anos para tirar os ensaios poéticos e não posso deixar de ficar de alguma forma satisfeito porque permitiu-me ter alguma maturidade estética.

Ponge em carta a Jean Paulhan – amigo e editor Ponge, quando começou a escrever Le Savon (Sabão), partilhou sua angústia e dificuldade em terminá-lo. Chegou a pensar em abandoná-lo, mais de uma vez, e persistiu escrevendo e revendo o texto durante vinte e cinco anos (de 1942 a 1967, data de sua publicação). É facto, que alguns poetas insistem em alguns escritos sem saber bem o porquê. O que é da ordem da pulsão faz seu espaço no “que não cessa de não se inscrever”. Ou seja, no que pode ser nomeado como algo da ordem do impossível, que insiste.

Jacques Derrida disse que Ponge assumia, neste escrito, uma perda não declarada até então. Pois, o que ele falava havia sido “esquecido” por muitos de seus contemporâneos. Hoje podemos remexer nestas letras, e pensá-las como um desejo de testemunho. E, ainda podemos perceber que o poeta escreveu um texto para além do poético. Algo que, em meio ao impossível de se dizer, fizesse ruídos em orelhas torturantes .

A palavra em acto na intenção de produzir uma luz, que possa fazer buraco na memória. Assim estamos na trilha do real, e do faltoso; o que não pode ser dito todo.

Como podemos perceber, para o autor o texto não estava ao nível do que pretendia tendo levado cerca de 25 anos para atingir o seu desejo.

“(…), quando pensamos, quando escrevemos, somos habitados pela presença. Não só a presença física dos que nos acompanham, mas a imponderável presença do invisível: das vozes que ouvimos, dos poetas e escritores que lemos, de tudo aquilo que nos habita e se demora em nós, mesmo que não nos apercebamos. Estar a sós diante da página em branco nunca é uma verdadeira solidão, para combater um certo lugar-comum que persiste. É sobretudo um acto de escuta e de abandono, em que procuramos esse rio interior ou a voz que nos persegue, aquela que procura a sua fenda, a fissura, por onde entrar e fazer-se corpo, linguagem, um modo de se dizer e de chegar à fala, atravessando os tempos”, Maria João Cantinho (2017) .

É necessário ter prazer ao escrever, deixar o sentimento, o gosto pela palavra, pelos sons, ritmo. Roland Barthes (1996:9) fala do prazer do texto. “Um texto lido com prazer significa que foi escrito com prazer. Mas, o prazer de escrever não assegura o prazer do leitor no acto de ler, pois a recepção do texto dependerá de cada um. É preciso haver, haver então um jogo de entre escritor e leitor, um espaço de abertura fornecido pelo narrador que permita a entrada do leitor no texto”.

No acto da escrita exige inspiração e transpiração. Ao escrever, busca-se eventualmente um “algo a mais”, aquilo que possa transcender o próprio escritor, aquela busca ancestral de deixar para a futura humanidade outra lembrança que não sejam filhos ou árvores.

Para concluir, a minha experiência tem demostrado que o texto fala quando já está acabado. Há uma certeza em nós, um frio no estômago, umas lágrimas que passeiam de satisfação pela íris.

sábado, 25 de novembro de 2017

FALA AÍ BRASIL... JOÃO AYRES (IX)

O livro das intenções e fracassos.
Tragédia número 2
Em relação ao que foi exposto na tragédia número um, diríamos que após o falecimento da adúltera o tal homem foi preso em se tratando de um réu confesso. Ele cumpriria pena de vinte anos e sabe-se que cumpriu apenas doze por bom comportamento, evoluindo para o regime que permitia sair de manhã da prisão ou penitenciária e retornar à noite para dormir evidentemente.
Ele andava então feliz pelas ruas de sua cidade e não sentia arrependimento algum por haver matado a tal adúltera. Havia dentro de sua concepção retrógrada de mundo entendido que sua honra manchada deveria ser lavada com sangue, no caso em questão, com arsênico.
Ele repentinamente esbarra num indivíduo ou num senhor que o olha bem fundo nos olhos e pergunta a ele se não o reconhece. O assassino meneia a cabeça sugerindo que não e o tal senhor diz que ele é o pai da filha que partiu deste mundo.
O assassino da adúltera tenta se esquivar do tal senhor, mas ele agarra seu braço de forma incisiva e diz que enquanto ele viver vai perseguir o referido haja o que houver.
O assassino da adúltera não diz uma palavra e retira o braço do pai da adúltera do seu e segue em frente como se nada houvesse acontecido.
Ele percebe que está sendo seguido pelo pai da adúltera e tenta desvencilhar-se do mesmo entrando e saindo de becos e ruelas escuras.
Ele percebe que despistou no verbo despistar o velho.
Ele que tem a firme intenção de mudar de ares quando do cumprimento total de sua pena. Ele que nunca manteve uma relação saudável com o pai da adúltera. Ele que não conheceu a mãe da adúltera, pois que esta havia falecido de câncer linfático muito cedo.
Ele que dormia e acordava no ventre da palavra adultério.
Ele que toda vez que ia a qualquer lugar lembrava-se daquela mulher que o havia traído no verbo trair. Ele que sempre sonhava com a figura de Judas Iscariotes.
Ele que nunca gostou do verbo enforcar em primeira conjugação ar.

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

FALA AÍ BRASIL... TACIANA VALENÇA X

Horas intermitentes se seguiram num dia arrastado. Tentou ler um livro, cozinhar, tirar um pouco o pó dos móveis, pois os preferia empoeirados a ter alguém limpando e bisbilhotando sua casa; tirando-lhe a privacidade. Estava se tornando um chato, era verdade, de chatices assumidas.

Tirou enfim a roupa que usaria logo mais à noite. Perto das dezessete horas já estava devidamente arrumado. O show começava às vinte, mas era um desses dias em que não se aguentava em si. Pegou o sax, ensaiou um pouco as músicas que normalmente tocavam, acrescentando as variações do último ensaio pois, sendo o público muito fiel, era questão de respeito levar sempre algo novo. Eram, na verdade, a principal atração do local.

Perto das dezoito horas chamou o carro que sempre o levava. Gostava de pontualidade e às vezes exagerava chegando muito cedo para ir mergulhando no clima. Seu coração, feito de Blues, pedia sempre calma e tempo. O tempo jovem das coisas de última hora havia acabado para ele há muitos anos. Limpou a aliança de prata na mão direita, um falso compromisso assumido com ninguém apenas para afastar as tietes que vez por outra queriam cair em seus braços.

Às vezes queria ser menos chamativo, mas era exatamente o tipo que as mulheres gostavam. E não adiantava deixar a barba por fazer, usar óculos escuros escondendo os olhos cor de mel ou mesmo andar apenas de jeans, camiseta e chinelo. Tudo funcionava ao contrário.

Um episódio certa vez o deixou bastante constrangido. Mary Anne, cantora convidada pela banda, sabendo do hábito dele de chegar sempre mais cedo, chegou também antes da hora, promovendo um encontro não combinado. Pediu que tocasse para ensaiar uma música e, quando ele viu, estava dançando sensualmente. Foi muito constrangedor. Apesar de bonita, não achou menor sentido no que fez, forçando-o a uma atitude que ele, sinceramente, não estava a fim. Ficou sem graça, continuou tocando enquanto ela quase se despia. Ao final, achando-se obrigado a fazer ou dizer alguma coisa, apenas disse: você dança muito bem. Isso custou-lhe a amizade dela, que se ressentiu indignada e fez com que ele não a convidasse mais, apesar da excelente voz. Coisas assim pareciam só acontecer com ele.

Sempre discreto, nunca contou a ninguém sobre o ocorrido. Sua timidez apenas se destacava ao lado dos homens que, por não terem o que dizer, bebiam, faziam graça e davam cantadas vazias. Por isso se tornou caseiro, fiel às boas leituras e músicas, não deixando de lado seu cuidado com o corpo, não para exibir-se, mas por achar importante cuidar da saúde e manter músculos fortes para uma velhice menos problemática. Como se habituou a morar só, ter saúde o ajudaria. Depois de desistir da carreira frustrada de engenheiro, a qual dedicou anos de estudo na juventude e vida adulta, resolveu seguir o coração e dedicar-se à música.

O sax acompanhara uma grande decepção amorosa mas deu ao seu sopro de saxofonista um ar único e respeitado no cenário musical da cidade.

Enfim, casa lotada, o quarteto, de uma elegância ímpar, começou a apresentação pontualmente e a plateia correspondia com respeito, silenciando durante toda a apresentação. Os burburinhos ficavam para os intervalos. Na segunda parte da apresentação (normalmente eram tres), um fato inédito na casa.

Um homem se levantou esbravejando, xingando e seguindo para perto do palco. Ninguém entendeu nada. Quando caiu em si percebeu que era com ele que falava. Dizia absurdos achando, pelo jeito, que ele estava olhando para sua esposa. Como? Se mal conseguia ver os rostos de ninguém? A confusão se formou, a banda parou e os amigos tentavam segurar o sujeito, que parecia já ter bebido além da conta.

Chamaram enfim os seguranças, que o colocaram para fora tentando uma discrição inútel. Por sua vez, procurando ser mais discreto ainda, desceu do palco. Ao passar entre as mesas, procurando os amigos para entender o ocorrido, percebeu que duas mulheres tentavam acalmar uma outra, sentada à mesa, soluçando e visivelmente envergonhada.

Ao chegar mais perto seu coração acelerou. Reconheceria aqueles olhos nem que se passassem mil anos. A maior paixão da sua vida, a maior alegria e a maior tristeza que um homem poderia experimentar. Trocaram olhares que por um momento pareceu uma eternidade. Sem graça, desviou o olhar e seguiu para fora do bar. Estava tudo explicado.

Só não entendia como alguém tão meiga e doce poderia estar ao lado de um homem daqueles. Ela, tanto quanto os amigos que estavam na mesma mesa se foram.

A apresentação continuou num clima sofrido. No caminho para casa um turbilhão de sentimentos, recordações e saudades. Por que? Tirou a roupa, jogou gelo no copo e bebeu.

Uma lágrima escorreu, sem choro.

Seu chão se abriu. 


quinta-feira, 23 de novembro de 2017

AOS OLHOS DE PAULA OZ... MARIETE LISBOA GUERRA (I)

Agradeço à autora e amiga Mariete, o privilégio que me concedeu na altura, de ser a primeira a ler o seu livro de poesia intitulado “Lótus Jasmim lado a lado”

É uma honra que não mereço, faltam-me qualidades para tanto, para além do embrião que nos une, há a admiração, cumplicidade e amizade que pela autora nutro, pois – e como ela o bem sabe - sou toda feita de sentimentos que me impedem a distância de uma apreciação impessoal.

Gosto de todas as manifestações de arte. A poesia acima de todas, pois é certamente na poesia que todas elas devem existir. É a que mais me fascina, e constitui a alma da própria arte.

O artista tem de ser essencial, fundamentalmente poeta. Se não o for, não terá possibilidade de “pintar” uma obra sentida, uma obra emocionante, como a sua. Precisa de atingir simultaneamente a beleza formal que nos deslumbra e encanta e o conteúdo sublime do puro sentimento que perdura cá dentro. Mariete Lisboa Guerra atingiu essa meta – Neste e na outra obra “Um dia Houve Poesia” que falarei mais adiante -
Faltando-lhe a essência poética, como poderá o poeta ser verdadeiramente poeta?

Sim, porque tenho lido muitos poemas sem poesia ou poesia sem voz. Naturalmente que o simples dom escrever não é um todo, é preciso que viva a emoção extra que nos comove a cada estrofe. Mariete Lisboa Guerra guia-nos por palavras ao sorriso e à lágrima, transmite-nos a serenidade e o assombro, num curto espaço de poemas bem conseguidos. É a POESIA em harmonia com a POETA.

Há uma constante harmonia e amor nas suas palavras – tão natural, pura e espontânea – que o desejo da entrega é absoluto e humildemente, entrego-me no berço das suas mãos, procurando o abraço da poesia.

Por este motivo, sintamos profundamente a genuína poesia, este fluído misterioso e metafórico, perfumado de amor, memórias, onde a MULHER e a CRIANÇA vivem em cada página. Sintamos o embrião numa linha invisível que toca todos os poemas deste livro. Eu lanço o apelo: Não pensem antes de o lerem, não pensem enquanto o lêem. Não pensem de todo.

Se existe obra onde o “artista” está inteiramente presente, esta é uma delas. Sintam-na!
Aqui descobrimos Mariete Lisboa Guerra como ela é de facto: uma poetisa genuína, um coração GRANDE.

Sintam e respirem a sinceridade transparente, o vislumbre da generosidade, a áurea da piedade, a ânsia de justiça, a revolta contra a crueza dos homens e do próprio destino, o desejo de atingir a perfeição na vida, a recordação, a viagem da alma, do corpo e do espírito.

Quase todos os seus poemas expressam esse drama íntimo, tão pungente para a sua sensibilidade poética. Mas o mais comovente nos seus poemas, é que transcende a sua própria dor, fazendo sua a dor alheia. A sua dolorosa experiência levou-me, e muito certamente levará a todos que leiam esta maravilhosa escritora, a compreender e a sentir até as mais trágicas minúcias da desventura sombria do amor e dos sentidos.

Mesmo quando parece falar somente de si, reflecte as inquietudes e angústias espirituais destes nossos tempos. A obra “Lótus Jasmim lado a lado” é o autêntico microfone do êxito ecoando nos ouvidos mais desatentos. Mariete Lisboa Guerra é a poetisa das horas recolhidas, que ouve o que escreve e que sonha inclusive em poesia. E que orgulho sinto por estar ao seu lado nesse percurso, ontem, hoje e sempre.

A obra “Lótus Jasmim lado a lado” é para ler em sossego, numa comunhão de sentimentos que o diário da vida raramente o permite, mas, que de tão belo, assim o exige, e todos os bravos que o descubram, chorarão lágrimas de reconhecimento pela preciosidade de nele se descobrirem. Deposito todas as minhas crenças nas suas palavras.

Parafraseando Alberto Caeiro
A mim este sol, estes prados, estas flores contentam-me.
(Heterónimo de Fernando Pessoa)

Para a obra
Lótus Jasmim lado a lado”


Mariete Lisboa Guerra



quarta-feira, 22 de novembro de 2017

ADRIANA APRESENTA... MACVILDO PEDRO BONDE

Há alguns anos um rapaz curioso sobre as notícias da terra brasilis, queria sempre saber sobre o tempo, política, literatura, cultura e as últimas informações e acontecimentos. De tempos em tempos as conversas que sempre acabavam em poesia, criaram laços de amizade e incentivo.

O tempo passou, deixei o Brasil e a falta de tempo por excesso de trabalho e criação, silenciou nossas conversas matinais, que hoje lembro-me com um certo saudosismo. O rapaz amadureceu na arte da escrita e a menos de um mês, recebeu um Prêmio. E com a alegria e satisfação em ver o sonho, a luta, a vitória, de um guerreiro na arte das palavras e na arte da vida, chegou o momento para começar a parceria tantas vezes comentada e adiada.

Macvildo Pedro Bonde, M.P.Bonde nasceu a 12 de Janeiro de 1980 em Maputo. Foi membro do projecto (JOAC) e do colectivo Arrabenta Xithokozelo. Colaborador do FALA AÍ AFRICA, uma rubrica do blogue lusófono TOCA A FALAR DISSO. Em 2017 lançou a sua primeira obra literária “Ensaios Poéticos” pela Cavalo do Mar. Vencedor do I Prêmio Literário Fernando Leite Couto.

A In-Finita apresenta, como denominou o também escritor e poeta,Pedro Pereira Lopes, "Um Honesto Artesão das Palavras", Macvildo Pedro Bonde, o segundo autor convidado para a assessoria literária, um dos serviços prestados pela empresa.
Abaixo, um fragmento da sua escrita:

"Arranco os ossos da prosa poética que ressalta das estrelas, os pedaços de alma remoendo a válvula dos dedos, as nuvens fingindo a nudez do silêncio, riem as gaivotas sitiadas na margem do mar.
Assisto no olhar das trepadeiras, o gato que orbita entre os telhados, a canção invisível do futuro. A força da saudade empresta os cabelos sem ar, o tédio do esquecimento.
No mar, Noémia navega junto ao remo, sigo a escuridão das águas, a brancura dos cabelos como quem absorve, a nação em transe; vazio de mim, recebo as gotas de riso na areia branca.
Não há lua nova, há cantinas emigrando nas bocas de pescadores! Há vestígios de magia reatando a travessia do índico."

Macvildo Pedro Bonde

Bem-vindo Macvildo Pedro Bonde à família In-Finita !

Contato ASSESSORIA LITERÁRIA : adriana.mayrinck@gmail.com

terça-feira, 21 de novembro de 2017

FALA ÁFRICA... PEDRO PEREIRA LOPES

M. P. Bonde: Um Honesto Artesão da Palavra
“…Que deve o poeta fazer para ser um bom poeta?”, questionou-se Mário Faustino, crítico literário e poeta brasileiro, com um quinhão de sátira na língua. Macvildo Pedro Bonde, que assina M. P. Bonde (quiçá, inspirado em C. S. Lewis), lançou, no começo deste ano, o seu primeiro livro, “Ensaios Poéticos”, um caderno de prosa-poética que caiu nas graças dos leitores e da parca crítica: voz própria – ainda que seja um autor de várias referências, sobretudo Rimbaud, Walter Benjamim, Pessoa e Patraquim –, e aceso cultor da palavra, escolhida entre a descrença e a obsessão. Mas M. P. Bonde não é um “novo poeta”, a sua actividade poética já era largamente sabida antes mesmo da publicação destes “Ensaios”, publicado aos seus 37 anos. Participou em antologias, publicou em web-revistas, foi (é) activista cultural e dizedor de poemas. Para M. P. Bonde, o livro não sai tarde, por um lado, “o tempo foi-me útil para conhecer e amadurecer a minha poesia”, por outro lado, o poeta ficou à espera de um projecto editorial que o seduzisse. M. P. Bonde disse, em resposta à minha provocação em torno dos “poemas geniais” (p. 33), que neste caso compõem o livro, “ainda não estou lá, vou procurando, todos os dias, roçar esta genialidade”.
Conheci o M. P. Bonde em 2011, quando Fernanda Angius criou a oficina de escrita, no Instituto Camões. Por lá conheci, ainda, escritores como o Mbate Pedro, Nelson Lineu, Mauro Brito, entre outros. Bonde, como todos os outros, procurava aprender mais e, sobretudo, um revisor-editor. De lá para cá, voltei a revê-lo em 2015, na casa da professora Angius, antes de passarmos a frequentar mais lugares que nos passariam a ser comuns.
Este “Ensaios Poéticos”, editado pela Cavalo do Mar, é como o respirar de uma baleia azul, junto à superfície, onde o poeta deixa de ser asceta, deixa de viver no seu desassossego, nos tais “lugares incógnitos” (p. 32), em busca de “um lugar ao sol” (p. 47). Enquanto via os “outros” publicarem, Bonde terá vivido um inferno, se percebido o inferno como “possuir um talento que não pode ser usado”, como diria o antigo senador americano Gary Hart. A prosa-poética de M. P. Bonde é construída com bastante cuidado, de forma sigilosa, não a 180, como o fazia Eduardo White, na sua insensatez, no seu “prazer invulgar em andar no carrinho de rodas (White, 2008), mas a conta-gotas, como quem se vê metido numa ampulheta, e “O silêncio é uma chacota” (Bonde, p. 41). O processo criativo de M. P. Bonde é bem diferente do de White, mas os resultados são igualmente excelsos.
Em suma, este volume de poemas sofre de um grande vício, o comprometimento, a ideia de que tudo não passa de mero “exercício poético” (p. 52), que origina no autor um “desespero sem igual (idem). É por isso, creio, que M. P. Bonde faz uma poesia neo-realista, “que não reproduz a realidade como ela é, fotograficamente, mas, sim, a realidade dinâmica (o seu movimento), na totalidade dos seus aspectos (Coelho, 1984). Como dissera antes, este é um “livro do desassossego”, interior e exterior, por isso o autor vai desfilando pelas noites, cidades, épocas e sentimentos (p. 13, p. 14, p. 16 e 17, p. 18 e 23, etc., respectivamente). M. P. Bonde levou 4 anos para ajuntar estes “Ensaios”, sobrepõe o pensamento à sensação, e a sua poesia torna-se, afinal, meta-poesia.
Conversei com o M. P. Bonde no final de Março, numa das mesas do restaurante da Associação dos Escritores Moçambicanos. Atrasei-me, o poeta queixou-se da minha demora, ele tinha ainda de retornar ao seu posto de trabalho e, depois, pegar o filho na escolinha. Quando ia começar a entrevista, outra tragédia, eu tinha deixado o guião na mesa da cozinha de casa. Que remédio: tive de apelar à memória. M. P. Bonde contou-me que não sabe “como se descobre o bichinho da escrita”. Ele sempre sentiu que havia algo dentro de si, como uma semente por brotar. Os livros infantis, a começar, e leituras adultas (“Portagem”, “Uma época no inferno”, “O Estrangeiro”, “O Livro do Desassossego”, “País de mim”, etc.), depois, criaram condições para que o poeta surgisse. “Viver é mais fácil do que escrever”, disse M. P. Bonde, citando Hemingway. Algumas das perguntas que fiz, com detalhes pessoais, tiveram as seguintes respostas:
Tem hobbies?
Música. Toquei flauta. Também dancei. Danças tradicionais, nada de quizombas!
Há algum poema que já te fez chorar?
“Alquimia do verbo”, de Rimbaud. Há uma toda história por trás da obra.
Com o que trabalhas?
Comunicação, mas sou formado em história.
O teu trabalho, de certa forma, inspira a tua arte?
Estou a trabalhar com comunicação há poucos anos, logo, não influenciou este livro.
Sempre quis ser poeta? Quando decidiste que querias escrever prosa-poética?
Não sei se se decide ser poeta, penso que seja resultado de várias leituras. Quanto à prosa-poética, foi depois de ter lido Rimbaud, Herberto Hélder, o “Desassossego” de Fernando Pessoa. Eu percebi que escrevendo em verso, perdia alguma coisa.
Os temas deste livro, são fruto de uma procura ou eles aparecem?
Para este livro, eles apareceram. Os outros (no prelo) são mais temáticos.
Durante a entrevista, M. P. Bonde revela-se uma pessoa tímida, de poucas palavras. Cruza os braços, fica calado, ri-se, ironicamente. Gesticula, às vezes é um agricultor que planta arroz. Como poeta, Bonde diz que procura ser “autêntico dentro duma realidade em que se cruzam saberes”. Aceita que vive numa época em que tudo já foi dito e escrito, mas cita Walter Benjamim, “o que faz com que uma coisa seja autêntica é tudo o que ela contém de originariamente transmissível, desde a sua duração material até ao seu poder de testemunho histórico”. Estamos cansados, ambos não almoçamos, fazemos uma pausa para tomar uma sopa de legumes. Peço também dois copos de cerveja. Enquanto saboreamos, analisamos a onda de oferta de livros protagonizadas pelo Fundo Bibliotecário de Língua Portuguesa.
Minutos depois, volto a ligar o gravador do telemóvel. Pergunto-lhe se tem, também, uma paranóia pela “ilha”, como Knopfli, Saúte, White e Sangare Okapi, mesmo a propósito de um dos seus poemas (“Ilha”, p. 19). Bonde vinca o sobrolho, diz que sempre gostou dos mistérios que envolvem a “Ilha”. Cita Patraquim e a Ilha de Moçambique, a Ítaca de Kavafis, Zanzibar e a ilha imortalizada em Robinson Crusoé, de Daniel Defoe: a “minha viagem imaginária”. Na questão seguinte, pergunto-lhe se “tem tempo para a poesia”, sobre o seu “projecto de poeta”, e Bonde dá a sua definição de poesia:
Terei sempre [tempo] enquanto tiver forças para tal. Se pudesse viveria apenas esse mundo lúdico. Mas, a vida não é só de flores. Ela empresta-nos outro status, como pai, irmão, filhos ou trabalhador com os quais devemos conviver de forma harmoniosa, embora a poesia sempre mostre as suas garras, porque transmite liberdade. É essa liberdade que procuro, e não ter tempo para poesia, far-me-ia. Gosto de trabalhar a palavra. A poesia é verbo.
Durante o curso da conversa, vamos tocando vários assuntos, a sua dificuldade em titular os textos, o que faz com que eles sejam identificados por uma só palavra (p. 13, p. 15, p.16, p. 17, p. 40, etc.), a ausência de uma dedicatória geral, já que alguns poemas são dirigidos (p. 15, p. 19, p. 33 e p. 47), e sobre as alusões a diversos autores ao longo dos poemas. M. P. Bonde sorriu, parecia um poeta satisfeito: “São os meus autores”, disse.
Tinha ainda duas perguntas por fazer, mas o tempo escasseava. Resolvi desistir de questionar sobre a ideia “de arte pela arte” nos seus textos (“Quantos exercícios faltam para o poema vertical?”, p. 14; “Onde encontrar a chama da palavra correcta…”, p. 25; “Palavras para quê?”, p. 41), e procurei saber da sua relação com o falecido poeta existencialista Adolfo Saphala, a quem Bonde dedica o poema “Adolfo Saphala” (p. 33). “Conheci-o no ICMA”, disse ele, “depois de uma noite de poesia”. Bonde emociona-se quando fala de Adolfo Saphala, os seus olhos brilham, fica boquiaberto, as palavras fogem-lhe com insistência. “Éramos muito próximos”, explica, dando ênfase ao camaradismo e às aventuras pelas ruas escuras da Baixa de Maputo. “Ele já tinha o seu talento, nós estávamos ainda aí… Ele inspirou-me bastante. Ele era mais maduro. Era uma pessoa insatisfeita consigo mesma”, Bonde parece recordar-se de um momento específico, depois fecha. “Faltou-lhe tempo para mostrar o seu talento.”


Referências
Bonde, M. P. (2017), “Ensaios Poéticos”. Cavalo do Mar edições: Maputo.
Coelho, Eduardo P. (1984), “A Mecânica dos Fluídos – literatura, cinema, teoria”. Imprensa Nacional – Casa da Moeda: Vila da Maia.
Hart, Gary (1996), “O Príncipe”, in: Great Books, documentário. Discovery Network: Nova Iorque.
White, Eduardo (2008), “O Homem a Sombra e a Flor & algumas cartas do interior”. Texto Editores: Maputo.

Mini Biografia

Pedro Pereira Lopes é escritor, docente universitário e pesquisador. Fez rádio, música e criou os blogs "Kumbukilah" (2009), "cadernos de haidian" (2012), "Entre Aspas Escritor (2013), entre outros. Editou a web-revista de literatura jovem “Lidilisha” e assina a coluna "Vão homens ao meu lado distraídos", no jornal "Debate". Tem formação superior em Administração e Políticas Públicas.